O CRISTIANISMO E A SEPARAÇÃO ENTRE PEDAGOGIA
E PSICAGOGIA
Na aula de 10 de março de 1982 no Collége de France, instituição de ensino fundada em 1530 em Paris, o professor filósofo Michel Foucault estabeleceu uma importante relação entre Pedagogia e Psicagogia. Sim, Foucault não era só homossexual como é conhecido pelo público da cultura geral, mas ministrou aulas entre 1970 e março 1984, dois meses antes de morrer. Ah, estas aulas eram frequentadas por mais de 500 alunos ouvintes, graças aos quais temos acesso a tão valoroso conteúdo. Mas vamos voltar ao ponto: deixemos o “professeur” Foucault literalmente explicar:
Chamemos, se quisermos, "pedagógica" a transmissão de uma verdade que tem por função dotar um sujeito qualquer de aptidões, capacidades, saberes, etc., que ele antes não possuía e que deverá possuir no final desta relação pedagógica. Se chamamos "pedagógica", portanto, esta relação que consiste em dotar um sujeito qualquer de uma série de aptidões previamente definidas, podemos, creio, chamar "psicagógica" a transmissão de uma verdade que não tem por função dotar um sujeito qualquer de aptidões, etc., mas modificar o modo de ser do sujeito a quem nos endereçamos.
Portanto, estamos diante de uma ciência – A Pedagogia – que dota o sujeito de uma técnica qualquer que antes ele não possuía e que pela atuação de um pedagogo comprometido com a verdade do que ensina passou a dominar. Por outro lado, temos uma ciência que não atua no nível do domínio de uma técnica, mas na formação do caráter, a constituição moral do sujeito – A Psicagogia. Poderíamos perguntar: estas duas maneiras de “formar” um sujeito aconteciam de maneira separada? Privilegiava-se uma em detrimento da outra? Havia uma hierarquia entre estes saberes? A resposta é NÃO! As duas faziam parte da Paideia – o ideal Greco-romano de formação humana integral.
Mas por que se separaram? “Professeur” Foucault responde: Digamos o seguinte: na Antiguidade greco-romana, na relação psicagógica, o peso essencial da verdade, a necessidade do dizer verdadeiro, as regras às quais é preciso submeter-se ao dizer a verdade, para dizer a verdade e para que a verdade possa produzir seu efeito - a saber, o de mutação do modo de ser do sujeito -, tudo isto incide essencialmente sobre o lado do mestre, do diretor, ou ainda do amigo, de todo modo, o lado de quem aconselha.
E mais adiante, o velho mestre fala sobre as exigências que recaem sobre o pedagogo: Pois, na pedagogia, o mestre [é mestre] enquanto detém a verdade, formula a verdade, formula-a como convém e segundo regras que são intrínsecas ao discurso verdadeiro que ele transmite. A verdade e as obrigações quanto à verdade estão do lado do mestre. Isto vale em toda a pedagogia. Vale certamente na pedagogia antiga, como vale também no que poderíamos chamar de psicagogia antiga.
Na forma Greco-romana a exigência de dizer a verdade, a disciplina da palavra verdadeira, as obrigações da verdade recaem sobre o mestre, o conselheiro... Contudo no cristianismo, do mestre, do condutor de almas exige-se somente a investidura de um poder. Por isso Foucault dirá:
O cristianismo, por sua vez, irá desvincular a psicagogia da pedagogia, solicitando à alma - à alma que é psicagogizada, que é conduzida - que diga uma verdade; verdade que somente ela pode dizer, que somente ela detém e que não constitui o único, mas é um dos elementos fundamentais da operação pela qual seu modo de ser será modificado. É nisto que consistirá a confissão cristã.
Portanto, e já me alonguei demais, a obrigação da verdade passa daquele que dirige na pedagogia e na psicagogia Greco-romana, para o conduzido na espiritualidade cristã. Ele, o conduzido, deverá confessar a verdade perante o mestre instituído. Talvez esteja nesta separação a genealogia dos sistemas avaliativos atuais, da separação entre ensino técnico e formação moral e política dos indivíduos... são apenas “????”
Para terminar, o “Professeur” explica para os mais de 500 ouvintes: na espiritualidade cristã é o sujeito guiado que deve estar presente no interior do discurso verdadeiro como objeto de seu próprio discurso verdadeiro. No discurso daquele que é guiado, o sujeito da enunciação deve ser o referente do enunciado: é a definição da confissão. Na filosofia greco-romana, ao contrário, quem deve estar presente no discurso verdadeiro é aquele que dirige.
Todas estas explicações foram retiradas do curso:
FOUCAULT, Michael. L’Hermeneutique du sujet. Paris: Seuil, 2001.
Nenhum comentário:
Postar um comentário