Uma coisa perigosa: a
ignorância e a crença
transformadas em opinião.
Eis
que numa manhã de sexta-feira lemos no respeitado jornal A Semana, de Curitibanos - SC, a opinião de um conhecido advogado provinciano e reconhecido
colunista do semanário sobre o ensino de filosofia. Alega o ‘doutor’ que a
filosofia se restringe à crítica aos valores morais, ao aprendizado de
enfadonhas teorias filosóficas e ao conhecimento superficial de conteúdos de
lógica. Aqui se revela a primeira ignorância do colunista: a difundida tese
kantiana de que é “impossível ensinar filosofia, mas só é possível ensinar a
filosofar”. Ignora o cronista o fato de que nas nossas ações pedagógicas mediamos
conteúdos que permitem aos jovens estudantes compreenderem o fundamento de
todas as ciências a partir da filosofia; ignora o analista o fato de que aos
ensinarmos a filosofar oferecemos condições de possibilidades aos jovens
estudantes para pensar além da lógica binária que restringe a ação política aos
conceitos iluministas de direita e de esquerda. Ignora o jurista o fato de que ensinar
a filosofar é desconfiar das opiniões próprias porque elas não podem sustentar verdades
objetivas sem o mínimo de conteúdo e capacidade argumentativa. Ignora o fato de
que ensinar a filosofar é também um exercício de tolerância para com as crenças
políticas, religiosas e morais dos Outros e um exercício de autocrítica para
com as próprias crenças. Ignora o jurisconsulto
o fato de que filosofar com adolescentes é permitir uma reflexão sobre a
justiça e o direito a partir dos conteúdos da antiguíssima mitologia grega até
obras contemporâneas como a “O que resta de Auschwitz” de Giorgio
Agamben. Ignora o advogado o fato de que há métodos pedagógicos criados pelo
filósofo estadunidense Matthew Lipman (1922-2010) e publicado através de obras
como Philosophy for Children de 1976 e Thinking Children and
Education de 1993 que permitem ensinar a filosofar desde a infância e que são
amplamente usados por escolas particulares brasileiras para ensinar crianças a
filosofar desde o Ensino Fundamental.
Por fim, recobramos um dito antigo que diz “a boca fala sempre para os
ouvidos que estão mais perto” e atualizamos para a era digital: “escreve-se
textos para o leitor que está mais perto” para que a ignorância e a crença não
se transformem em opiniões públicas e perigosas.
Ângelo, professor de filosofia com licenciatura
plena e especialista em educação.
Arlindo , professor de filosofia com licenciatura
plena e mestre em Educação.
Edgar, professor de filosofia com licenciatura
plena e especialista em educação.
José, professor de filosofia com licenciatura
plena e mestre em Educação.
Marcos, professor de filosofia com
licenciatura plena e doutorando em educação pela UFSC.
Sergio, professor de
filosofia com licenciatura plena e doutorando em filosofia pela UNISINOS – RS.
Como professor, não convém usar o adjetivo burro. Mas, como o Homem em questão não é meu aluno, chamarei de burro mesmo. Esse advogado passa por cronista, pasme! Homem tem uma compreensão da filosofia equivalente à de boa parte da massa brasileira iletrada, mas tem a temeridade de colocar seus pensamentos no papel. Apesar de irrelevante, a opinião do Homem teve o mérito de trazer o ensino de filosofia para o debate. Quando se fala em filosofia para crianças, ou adolescentes, nossas pesquisas sempre esbarram no nome de Matthew Lipman. Embora pareça ser a única - ou, pelo menos, a mais confortável - escolha para o professor que deseje ensinar filosofia para crianças, Lipman tem a grande desvantagem de afastar a consciência dos alunos da construção da própria emancipação. Nós, professores, temos a missão de arquitetar um programa de ensino de filosofia para crianças a partir da matriz social. Isso quer dizer que temos que desmistificar a subjetividade burguesa, despojá-la do fetichismo e apresentar às crianças as reais possibilidades do indivíduo pobre. Quero dizer com isso, que um bom curso de filosofia para crianças deve ir muito além do mero pensar abstrato, do desenvolvimento puro e simples do raciocínio lógico. A vida em sociedade deve ser problematizada a partir da concretude das injustiças, do poder, da exploração capitalista, das virtudes do indivíduo pobre e das possibilidades de emancipação. A grande dificuldade é ajustar tudo isso ao espírito lúdico, ao letramento, às expectativas da família e à vigilância ideológica da Escola.
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