A REVISTA "Veja", na edição de 31 de março, publicou um artigo do senhor Marcelo Bortoloti com o título "Ideologia na Cartilha". Desejo retomar o assunto porque, como educador, considero que a tarefa mais importante das escolas é ensinar a pensar, e a ideologia é a negação do pensamento.
O que é pensar? Pensar é um processo mental que acontece quando nos defrontamos com um problema que a vida nos propõe e que precisa se resolvido. Pensamos para resolver problemas. Sem o desafio dos problemas, o pensamento ficaria dormindo, inerte. O pensamento, assim, acontece quando um "não saber" nos desafia. Se alguém se julga possuidor da verdade, não pensa. Pensar, pra que?
O que é "ideologia"? Ideologia é o oposto do pensamento. Ideologia é um conjunto de crenças tidas como verdade. Julgando-se possuidora da verdade, a ideologia torna desnecessário o trabalho de pensar. Ao invés de pensar, a ideologia repete as fórmulas. A ideologia, assim, tem a mesma função que têm os catecismos nas religiões. Catecismos são livros que contêm afirmações tidas como verdadeiras e que, por isso mesmo, devem ser aprendidas de cor e repetidas.
Lembro-me de uma experiência que tive logo que me tornei professor da Unicamp, lá pelo início da década de 70, quando a ideologia da esquerda sabia que "só o materialismo histórico é Deus e Marx, o seu profeta". Eu, sem conhecer direito as regras do jogo acadêmico, pus-me a conversar com um colega sobre ecologia e a crise ambiental -temas provocados pelo Clube de Roma- que eram assuntos proibidos pelo catecismo dominante.
Ele ficou em silêncio, mediu-me de alto a baixo e fulminou-me com uma verdade definitiva: "Tudo isso se resolve com a luta de classes..." Não era necessário pensar, porque a ideologia já tinha a resposta.
Como acho que o objetivo da educação é ensinar a pensar e a essa convicção dediquei toda a minha vida, alegro-me por encontrar no senhor Marcelo Bortoloti um aliado de lutas... No seu artigo ele me fez o maior elogio que poderia ser feito a um filósofo. Numa coluna separada, ao lado direito do seu artigo, no lugar dedicado aos "referenciais teóricos", ele citou os filósofos pré-socráticos, Platão, Aristóteles, Epicuro, Agostinho (...) e eu, Rubem Alves!!
Elogio maior não poderia me ter sido feito, se não fosse pelo título que ele deu a essa coluna a que me referi: "Bobagens obrigatórias". Os filósofos que ele citou, mais o Rubem Alves, são... "bobagens obrigatórias". Não satisfeito, ele acrescentou uma última observação ao pé da página, logo após citar o meu nome: "Comentário: Rubem quem?"
Ah! Foi um terrível golpe no meu narcisismo... E eu, que tinha a ilusão de que os livros que eu escrevia estavam ajudando professores e alunos a pensar! Não passavam de ideologia... Obediente ao juízo final do senhor Marcelo Bortoloti só me resta então jogar fora os livros que escrevi...
Ah! Foi um terrível golpe no meu narcisismo... E eu, que tinha a ilusão de que os livros que eu escrevia estavam ajudando professores e alunos a pensar! Não passavam de ideologia... Obediente ao juízo final do senhor Marcelo Bortoloti só me resta então jogar fora os livros que escrevi...
Adeus, meus livros! Adeus, filosofia da ciência... Adeus, a escola com que sempre sonhei... Adeus, por uma educação romântica... Adeus, vamos construir uma casa... Adeus, conversas sobre a educação... Adeus, fomos maus alunos, como o Gilberto Dimenstein... Adeus... Só espero que da próxima vez ele não escreva o "quem" depois de escrever o meu nome... É humilhação de mais..
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