18 de abr. de 2012

Dever ser da educação

RETIRADO DA PEDAGOGIA DA AUTONOMIA

“Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem tratar sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem idéias de formação, sem politizar não é possível” (FREIRE, 2007, p. 58).

            É notável e merece a nossa consideração o projeto de humanidade que está presente na breve “fala” do Professor Paulo Freire. Trata-se de um escrito simples e breve, mas carregado de significado. Portanto é apropriado “passar” nosso olhar reflexivo e investigativo sobre este escrito e é o que faremos em seguida.
            Trata-se de um projeto de humanidade pela seguinte razão: aborda vários aspectos essenciais da condição humana. Primeiro aspecto é aquele que vê no Humano um ser histórico, contextualizado. Nascemos num ambiente que apresenta a nós uma gama de situações que devemos aceitar e reproduzir para sermos integrados a sociedade humana.
A realidade é que encontramos uma língua já constituída, certos traços psicológicos, a condição social dos nossos antecedentes e uma sociedade com dimensões negativas e positivas. Por estas razões na fala do mestre Paulo Freire está dito claramente que somos feitos pela história.
            Contudo, está presente na mesma fala do senhor Paulo Freire que somos fazedores da história. Ora, isso significa que não somos meros reprodutores de ideologias constituídas. De sistemas consolidados, mas que somos seres que temos o dever de fazer história e não de reproduzir o que já foi vivido por outros personagens.
Nesta perspectiva a educação precisa assumir uma postura crítica diante do contexto em que se desenvolve. Educadores e educandos necessitam entender e compreender que há determinações históricas, mas que são personagens ativos na construção de novos pontos de vista, de novas práticas que visam à libertação do humano de amarras históricas que inevitavelmente existem.
Outra dimensão que faz parte do projeto de humanidade de Paulo Freire é a estética. Não há dúvidas de que o ser humano integral é aquele que se constrói esteticamente. Por isso o nosso ser-estar no mundo precisa ser refletido, escrito e re-escrito numa visão estética da vida que por estar consciente desta dimensão, é capaz de fazer aquilo que o professor Paulo Propõe, isto é, não estar no mundo: sem tratar sua própria presença no mundo.
Ora, é precisamente desta questão que os educadores e os educandos carecem estar imbuídos. Somente deste modo se assumirão como seres estéticos, capazes de construir uma existência plena de significados. Não obstante, deste imperativo, quase que categórico, decorre que só podemos concordar com o professor Paulo Freire e fazer das palavras deles as nossas e proclamarmos em auto e bom som que não podemos viver: sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem esculpir, sem filosofar.
A dimensão do trabalho, parte essencial do ser humano, está presente na fala do professor Paulo. Não o trabalho alienado de que nos fala Karl Marx e que se consolidou com o capitalismo moderno. Mas o trabalho laboral, aquele que constituí os homens e mulheres como fazedores da sua própria existência.
É desse trabalho consciente que brotará uma nova consciência que ao invés de destruir, explorar as riquezas naturais, devastar, poluir... Trabalhará com todas as energias disponíveis, porque consciente de que a vida na terra depende suas práticas, para preservar o que ainda lhe resta.  Desta questão vem que não podemos viver sem cuidar da terra, das águas. Isso somente ocorrerá de fato quando entendermos que não podemos estar no mundo sem a consciência de que somos homo faber, isto é, não vivemos sem usar as mãos. Contudo, não basta somente usar as mãos, precisamos usá-las como consciência como foi dito acima.
Portanto, se tudo o que foi comentado acima faz parte dos ideais de nós educadores, então só podemos concluir que não somos seres acabados, mas somos seres frágeis, que estamos construindo nossas práticas, fazendo e refazendo as nossas vivências. Daí decorre que é essencial nutrirmos um espírito capaz de se espantar com o real, de ficar admirado com o saber dos educandos, de buscar e instigar a indagação científica. Daí que não podemos viver sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar.
Portanto, só podemos concordar e reafirmar as palavras de Paulo Freire: “Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem tratar sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem idéias de formação, sem politizar não é possível” (FREIRE, 2007, p. 58). 
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

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